de o impossível rolar
Era 1989. Caía o Muro de Berlim. Morriam o Salvador Dali, o Paulo Leminski, a Nara Leão e — graças a Deus — o Khomeini. Fernando Collor de Mello era eleito. Os Titãs, depois de serem alçados ao nível dos grandes nomes da música brasileira com Cabeça Dinossauro, lançavam mais um disco que daria o que falar. Õ Blesq Blom não era bem o que se esperava de uma banda que tinha acabado de detonar a Polícia, a Família, a Igreja. Era mais experimental, mas isso não significava que seria menos apreciado. Pelo contrário. Em pouco tempo, público e crítica faziam daquele novo álbum mais um sucesso, com direito a um hit, Flores, bombando de cara nas rádios.
Era 1989 e, enquanto os Titãs consolidavam sua carreira, eu ainda brincava de bonecas. Me divertia, também, com o “maravilhoso” mundo mostrado pela telinha da televisão. Num belo domingo, estava, eu, a pequena Lili — como a mãe já me tratava desde a maternidade — brincando com sua Barbie enquanto assistia ao Fantástico. E foi aí que se deu o ocorrido.
Na década de 80, o programa global tinha costume de passar videoclipes de artistas nacionais, mesmo que essa linguagem de música na TV ainda não fosse das mais populares, como é hoje. Aquele domingo poderia ter sido como todos os outros, com apenas mais um videoclipe de qualquer banda-sensação-do-momento. Talvez tenha sido mesmo um domingo corriqueiro para 99,9% dos telespectadores, mas não para a pequena Lili.
“Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro”... Esse verso, um bombardeio de cores berrantes e um bando de vultos estranhos, com cabelos estranhos, roupas estranhíssimas e atitude ainda mais estranhíssima me fizeram gritar como se tivesse visto o mais temível dos bichos-papões. Larguei a Barbie no chão da sala, corri para o colo da minha mãe e dormi só depois de muito embalo materno e muitas orações para o anjinho da guarda.
Pause. Fast Forward. Play. Aquele domingo de 1989 ficou uns sete anos para trás. Por mais que o intervalo de tempo não pareça tão grande assim, foi o suficiente para mudanças significativas. O Fantástico já não era mais afeito aos videoclipes e a pequena Lili já não era tão pequena assim. Não brincava mais de Barbie e não se assustava mais com qualquer visual punk rock. Pelo contrário, estava cada vez mais viciada no universo rock’n’roll. Gostava de clipes, mas aqueles da MTV.
A emissora musical logo virou a minha preferida. Assistia a tudo, com empolgação, mas nada demais. Até que, um dia, a vinheta de um tal de “Acústico” trouxe ao ar sete caras muito bem arrumados, num cenário sóbrio e um som ousadamente comportado. Mais do que os Titãs com aqueles seus conhecidos hits em versão desplugada, pulou da tela uma lembrança. Pause. Rewind. Play. 1989. Pause. Fast Forward. Play. 1997. Risos, muitos risos. A jovem Lili ria de sua antecessora, a pequena Lili. Como podia ter se borrado de medo por causa de uns caras tão... tão... roqueiros!?!
Uma década e meia de sucessos desfilava na tela da televisão. Era hora de curtir aqueles sucessos — inclusive o “aterrorizante” dos tempos de infância — que ouvia despretensiosamente nas rádios ou nos LPs de meus primos mais velhos. Era uma banda na TV e uma telespectadora normal. Até que, novamente, se deu o ocorrido: uma outra performance me fez sentir uma emoção tão forte quanto aquela de 1989, por mais incrível que aquilo fosse.
Mas, não, dessa vez não era medo. Era uma vontade de pular junto, de gritar, de ratificar que “diversão é a solução, sim”. Daquele dia em diante, eu já era outra Liliane. E os Titãs eram os mesmos, mas outros — de ser os bichos-papões da infância, se transformaram na trilha sonora de uma vida inteira.
Liliane Pelegrini – Belo Horizonte/MG
“Há sempre a pequena chance de o impossível rolar” – Sua Impossível Chance (Volume 2 – 1998)
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