Wednesday, September 20, 2006

Texto 8
Choro compulsivo, riso
histérico, euforia, vertigens


O ano era 1999. Os Titãs saiam em turnê acompanhados dos Paralamas do Sucesso. A Fernanda e Liliane, então com 15 anos e ainda sem a tão sonhada autonomia, cabia apenas torcer para que a trupe passasse por Belo Horizonte.
Eis que a Rádio Jovem Pan passa a veicular uma promoção: “Junte embalagens de Sempre Livre e viaje com as duas maiores bandas do Brasil”. Fernanda decide tentar a sorte. Promove uma campanha entre as amigas do colégio e consegue reunir uma boa quantidade de códigos de barra de Sempre Livre. Em casa, e com a ajuda da avó, produz envelopes gigantescos, feitos com papel color set, rosa-choque.
Duas semanas depois, o telefonema. Emílio Surita, ao vivo, direto do programa Pânico, dá a boa nova à menina: “Fernanda, você e um acompanhante vão para Londrina, com tudo pago, para assistir ao show Titãs e Paralamas, na turnê Sempre Livre Mix”. “Ah, legal!”, respondeu Fernanda, chocamente, devido ao estado de petrificação em que se encontrava.
Como ainda eram menores de idade, a dupla, Ferdi e Lili, teve de ser desfeita, e Fernanda levou sua mãe como acompanhante. Ao desembarcarem em São Paulo, onde o vôo faria escala, se encontraram com os responsáveis pela promoção, que logo trataram de informar que dali até Londrina, eles voariam junto com o pessoal dos Paralamas. Ferdi ficou feliz, pois também era grande admiradora do trio, mas não se conteve: “E os Titãs?”, “Vão chegar mais tarde, no Paraná.”, avisaram. A fã estava cada vez mais tensa, seria a primeira que vez veria seus ídolos assim, de pertinho. E não fazia a menor questão de disfarçar a ansiedade, para desespero de sua mãe, que temia que a filha tivesse um ataque a qualquer momento. Ela teria um ataque.
No meio da tarde, todos da comitiva Sempre Livre, incluindo Fernanda, sua mãe e os Paralamas, se dirigiram para o ginásio onde seria o show, para a passagem de som. Enquanto assistia a Herbert Vianna e companhia fazendo suas estripulias no palco, Fernanda foi surpreendida com o aparecimento repentino de Paulo Miklos, que já chegou interagindo totalmente com os amigos. Afoita para ver Paulo, e os outros titãs de perto, ela correu para trás do palco. Vieram um a um, todos demonstrando simpatia, a seu modo. Logo atrás de Paulo vieram Branco e Nando, seguidos de Marcelo e Tony. Britto foi o último, e demonstrou ser o mais introspectivo.
“Mas cadê o Charles?”, perguntou Fernanda aflita. “Deve tá no ônibus, vamos voltar para frente do palco”, respondeu uma das organizadoras do evento. Cinco minutos depois: “Cadê o Charles?”, “Deve ter ido direto para o hotel”. Meia hora depois: “Você tem certeza de que o Charles foi direto para o hotel?”, “Não, vou verificar”. Dois minutos depois: “E o Charles?”, “Está em Seatle?”, “Onde?” , “Seatle, gravando”. Teve um ataque.
“Mããããããe o Charles não veio!!!!!”, “Mas o Tony veio, Nanda, olha que lindo!”, “Mas eu queria conhecer todos”, “Calma, um dia você vai conhecer todos”, “Mas eu queria hoje...”. Depois de muitas lágrimas e de movimentar quase todas as pessoas que estavam no recinto com seu drama, Fernanda finalmente se convenceu de que o melhor a fazer era curtir aquela oportunidade única.
Foi o que fez. Ver aquelas duas bandas cantando seus clássicos juntas era tudo o que qualquer admirador do bom rock nacional poderia querer. Cantou, gritou, deu entrevista, registrou o momento em fotos e na memória. Ela não sabia, mas aquele 10 de junho de 1999, se tornaria o único dia em que ela teve a oportunidade de falar com Marcelo Fromer.
No dia seguinte, dor no coração ao partir. Difícil voltar para a realidade depois de momentos mágicos. Mas nem mesmo o estado de graça em que se encontrava impediu que Fernanda alfinetasse a equipe de Sempre Livre Mix. “Gostou de tudo, Fernanda?”, “É, mais ou menos, é como ganhar um carro e vir faltando peças”, numa referência a ausência de Charles.
É claro que, ao chegar em Belo Horizonte, a primeira coisa que Ferdi fez foi telefonar para Lili, que aguardava afoita pelas novidades. Depois de duas horas de papo, Fernanda diz para Liliane que a promoção continuaria até o fim da turnê, e sugere à amiga que ela também envie cartas. Começa, então, tudo de novo. Campanha para recolher códigos de barra, produção de envelopes gigantes, telefonema da Rádio Jovem Pan. Exatamente, tudo de novo.
Dois meses depois, Lili também é sorteada pela mesma promoção. Um raio pode não cair duas vezes no mesmo lugar, mas duas vezes na mesma dupla, pode sim.
E foi assim que a família Pelegrini viu sua rotina alterada naquele 6 de agosto. Em outros anos, naquela data era dia de arrumar a festa. Bolo, guaraná, salgadinhos, vela parabéns, tudo para comemorar o aniversário de Laura Pelegrini. Mas aquele 6 de agosto de 1999, uma sexta-feira, foi completamente de todos os outros que já tinham acontecido e dos que estariam por vir.
A mudança na programação da aniversariante tinha sua explicação no dia anterior. Sozinha em casa, sua filha, Liliane, tinha recebido um telefonema inesperado. “Mãe! Ganhei! Ganhei!”, repetia a garota ao celular da mãe, reportando o que um sotaque paulistano a tinha informado. Com custo, Laura acalmou a rebenta e, finalmente, entendeu tudo: Liliane, que só fazia ouvir e falar sobre Titãs, tinha sido sorteada para assistir o show “Sempre Livre Mix Paralamas e Titãs” em Brasília, junto com um acompanhante, com direito a todas as frescuras possíveis: motorista buscando em casa, viagem de avião, hotel cinco estrelas...
Como o show seria no dia seguinte, 7 de agosto, o jeito era cancelar a festa e passar o aniversário arrumando as malas — as de Liliane e as suas próprias, já que a acompanhante era, claro, ela. No dia e hora marcados, lá estavam as duas embarcando de Belo Horizonte rumo à capital federal. Para Liliane, o clima do dia se resumia em duas palavras: “ansiedade” e “empolgação”. Laura também estava envolvida naquela situação toda: finalmente, ia ver a filha realizando o sonho de conhecer os ídolos principalmente e ela própria ia poder ver de perto aqueles caras que ela acabou admirando por tabela depois de tanto a filha só respirar aquela banda. Mãe de fã dos Titãs, fã dos Titãs é, afinal. Fazer o que...
Mãe e filha chegaram ao hotel de Brasília antes mesmo dos músicos. À medida que a hora do encontro se aproximava, crescia o nervosismo de Liliane. Quando um bando de homens adentrou o hall, a garota pensou que era aquela a hora que aguardava. Mais ou menos. Eram João Barone, Bi Ribeiro e Herbert Vianna que chegavam. Claro que Liliane ficou feliz em conhecer aquele trio que tanto tocava no seu CD player, mas aquele ainda não era “O Momento”.
De repente, a espera no saguão acabou. Uma van parava na porta do Kubitschek Plaza Hotel e a sombra de Branco Mello se preparando para sair do veículo revelou tudo. Sim, daquela vez, eram mesmo os Titãs. Pânico. Liliane não sabia o que fazer, como agir, onde colocar as mãos, o que falar. Enquanto a garota permanecia travada, passavam Branco, Britto, Tony, Marcelo, Nando... E a jovem lá, parada. Nessa hora, só mesmo a segurança de uma mãe para dar jeito na catatonia da filha ansiosa. “Acorda, menina. Vai ficar aí parada igual a uma boba? Lá vem o Paulo Miklos que você tanto fala...”, bradou Laura. Liliane foi e, morrendo de vergonha, tietou o que tinha para tietar. Começava ali um caminho sem volta na vida da fã.
Em Brasília, hora do show. A banda paulistana abria a noite mandando bala com aquelas músicas que já estavam mais do que na ponta da língua de todo o público que lotava o Parque da Cidade. Esquentavam a turba em grande estilo para que os “nativos” Paralamas do Sucesso revissem a terra natal. No momento em que Liliane mais se empolgava — o binômio Polícia + Bichos Escrotos —, uma das organizadoras da promoção veio tirá-la da frente do palco. “Por quê? Por quê?”, protestava a jovem. Mas era hora de tietar no camarim dos Paralamas, como mandava o protocolo. Foi, mas querendo logo voltar para a frente do palco. Depois, veio o inverso. Na hora do show dos Paralamas, não só a mesma moça vinha buscar Liliane para ir ao camarim como a própria já ficava na cola da figura, louca para ver logo os ídolos.
No camarim titânico, Liliane se sentia mais em casa. Fazia a mãe tirar mil fotos por segundo. A cada movimento, um clique. Os encartes dos CDs, um tanto surrados de tanto que eram manuseados no dia-a-dia, estavam em estado de alerta, prontos para que cada titã deixasse neles a sua marca. Fromer, além da assinatura, deixou um buraquinho: “Ih, forcei demais a caneta. Desculpa!”. “Acho que estou ficando surdo”, ria Tony Bellotto depois de perguntar mil vezes o nome da fã até entender que era Li-li-a-ne. “Você é de Belo Horizonte”, afirmava Charles Gavin. “Sou, sim. Mas eu já tinha lhe contado?”, perguntava Liliane. “Com esse sotaque, só podia ser...”, replicava o baterista.
Mas como todo dia de Cinderela, aquele dia de fã acabou junto com o show. Na volta para o hotel, Liliane repassava mentalmente todos os detalhes das últimas horas. A mãe não agüentava mais ouvir aquela falação toda: além de já conhecer o enredo de cor e salteado, era mesmo um saco ouvir aquele fiapo rouco de voz que tinha restado à filha depois de tanta gritaria durante a apresentação dos Titãs.
Dia seguinte, domingo, 8 de agosto. Era, inclusive, Dia dos Pais. Liliane e Laura estavam bem cedo no aeroporto de Brasília, esperando pelo vôo que as levaria de volta a Belo Horizonte. Foi quando, entre milhares de cabeças, Liliane enxergou a carequinha simpática de Marcelo Fromer. Depois de um dia tietando mil vezes por segundo, ela já não tinha mais pudores. Arrastou a mãe e foi lá falar com o guitarrista. “Nossa, você enlouqueceu ontem. Lá de cima do palco, eu só via esse cabelo balançando”, exclamava Fromer, enquanto abraçava a fã. Liliane quase não se agüentava de alegria — o cara lembrava dela, lembrava sim!
O papo seguia animado entre o guitarrista, Laura e Liliane. Até que esta última, aflita pelo fato de não aparecer mais um titã naquele momento, perguntou: “ué, cadê os outros?”. Marcelo, impagável como sempre, retrucou: “estão no hotel ainda, dormindo. É que eu, como não sou um pai desnaturado, resolvi ir embora mais cedo para ver meus filhos”. Gargalhadas. Num domingo, Dia dos Pais, Liliane estava no aeroporto de Brasília fazendo “fofoquinha” sobre os Titãs com um titã. Ela se beliscava para ver se não estava dormindo, mas estava acordada mesmo e o sonho era real.
A voz na sala de espera anunciou: passageiros dos vôos de São Paulo e Belo Horizonte, favor se encaminharem para seus respectivos portões de embarque. Ali, Liliane, Laura e Marcelo Fromer se despediram e encerraram o primeiro capítulo de uma novela com muitos outros que estavam por vir.

“Choro compulsivo, riso histérico, euforia, vertigens” - Estadps Alterados da Mente (Titanomaquia – 1993)

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