Wednesday, September 20, 2006

Texto 12
Não é pior
do que parece ser


Show fechado: eis o nome do maior drama de todo fã que se preze. Esse drama, especificamente, teve início em maio de 2002, quando Liliane e Fernanda descobriram que os Titãs fariam uma apresentação desse naipe em Belo Horizonte, para a Cemig. Mesmo sem terem a menor idéia de como fariam para entrar no show, as meninas estavam convictas de que conseguiriam. Tão convictas que insistiram para que as amigas paulistas, Zélia e Samantha, fossem para BH para curtir o show com elas. Não menos piradas, Zélia e Sá aceitaram o convite.
Manhã do dia 18 de maio de 2002. O quarteto se reúne no Minas Shopping e, sentadas na praça de alimentação, começam a decidir que rumo tomariam. É Zélia quem dá a primeira e única grande idéia do dia: “E se nós nos hospedássemos no mesmo hotel que eles”. “Como assim, Zélia?”. “Simples, a gente se hospeda, se não conseguirmos entrar no show, pelo menos teremos a oportunidade garantida de falar com a banda”. Muito murmúrio, muita confabulação. Dez minutos depois, Zélia e Fernanda atravessam a passarela que havia em frente ao Shopping e chegam ao Ouro Minas Palace Hotel — sim, elas estavam num shopping localizado estrategicamente, bem na frente do hotel. A primeira dupla, Ferdi e Zélia, se instala e recebe a outra dupla, Lili e Sá, como visitante.
No quarto do hotel, as quatro continuam com intensas confabulações, sem chegarem a nenhuma conclusão realmente válida. No auge da conversa, Lili e Ferdi decidem relaxar e descer para conhecer o hotel. “Ah, a gente já está pagando o mico de se hospedar num hotel da nossa própria cidade, vamos pelo menos usufruir”. É preciso dizer que usufruir ao máximo de tudo é o lema de vida destas duas.
E lá foram elas explorar o gigantesco lobby do hotel. Enquanto passeavam de um lado para outro viram uma van estacionar na porta. Não dava para enxergar nada direito, apenas reconheceram a silhueta de Branco Mello, que nem o insulfilm conseguiu esconder. Viram todos os Titãs se aproximando. Olharam uma para a outra e, num sincronismo quase telepático, se posicionaram na porta do elevador, que não demorou muito a chegar. Em segundos estavam os, então, seis titãs, mais Ferdi e Lili no elevador. Elas preferiram ficar caladas e não entregar que estavam ali por causa deles. Eles ainda não as reconheciam como as figurinhas carimbadas em terras mineiras. Chegaram ao sétimo andar. As duas saíram e começaram a correr saltitantes pelo corredor para contar a novidade para as amigas. Elas só se esqueceram de um pequeno detalhe: o elevador era panorâmico e, muito provavelmente, a banda pôde ver a euforia das duas.
A tarde se aproximava quando as meninas receberam o telefonema de uma colega. Esta dizia que já havia acertado tudo com Charles Gavin, que havia autorizado a entrada da trupe no show.
Zélia, Lili, Sá e Ferdi partiram, então, rumo ao Mineirinho, onde seria o evento. Lá encontraram os amigos Leandro e Toninho (não, não é o Toninho Leite), e mais a colega que havia negociado tudo com Gavin. Ela informou que, para entrar, a eles deveriam procurar um segurança chamado Aílton. Foi o que fizeram, ou pelo menos tentaram fazer. Chegaram na portaria e começaram a conversar com um segurança que lá estava. Pediram para que ele chamasse o tal Aílton, mas ele se negou, para desespero de todos. Lili, que já estava quase tendo um ataque de nervos, ligou então para o celular do Lauro, segurança dos Titãs, que informou que o Aílton estava do lado de fora do ginásio, bastava encontrá-lo. Parecia simples, mas, naquele momento, ninguém o encontrou.
O show começa. Do lado de fora era possível ouvir os Titãs cantando Aluga-se. Indignadas e não querendo passar pela terrível situação de apenas ouvir o show, Zélia e Ferdi voltam para o hotel. No caminho ainda decidem comprar algumas peças de roupa, já que foram parar no hotel totalmente desprevenidas. Enquanto isso, o resto da galera ainda insiste em entrar no show, mas só Leandro, que se camuflou entre os funcionários da Cemig, consegue. Toninho e as meninas voltam a conversar com o segurança que havia se recusado a chamar o Aílton, e para surpresa — e indignação geral — ele revela ser o próprio Aílton. Como se não bastasse, chama os fãs dos Titãs de vândalos, alegando ser esse o motivo para ele não ter colaborado.
Já no hotel, e ainda sem saber o que seus amigos estavam sendo obrigados a ouvir, Fernanda decide contar aos próprios Titãs o que havia se passado. Ela senta-se no saguão e fica aguardando a banda, repassando mentalmente tudo o que diria para Charles Gavin. Sim, ela o escolheu por dois motivos: primeiro porque ele era o titã envolvido diretamente na história, segundo porque ele era o único membro da banda com quem Fernanda nunca havia tido a chance de conversar. A van chega. Fernanda, tremendo por dentro, caminha em direção ao Charles:

— Oi, Charles tudo bem? Meu nome é Fernanda. Eu sou fã dos Titãs
— Oi, Fernanda, tudo bom?
— Mais ou menos, é que eu estava naquele grupo de fãs que queriam assistir ao show que vocês acabaram de fazer no Mineirinho.
— Ah, claro. E aí? Gostaram?
— Então, é sobre isso que eu gostaria de falar com você. Nós não entramos para o show
— Por quê?
— Porque os seguranças não permitiram. Não tivemos maiores explicações, eles simplesmente barraram a gente.
— Mas eu deixei avisado que um grupo de fãs iriam procurá-los
— Eu sei, Charles, mas não adiantou. De qualquer forma obrigada e...
— Não, isso não vai ficar assim!

Nesse momento Charles chama Lauro e pergunta se ele tem alguma explicação para o que ocorreu. Lauro diz que não, que para ele o pessoal havia conseguido entrar, já que o próprio Aílton garantiu que havia feito o serviço. Ficando cada vez mais irritado, Charles pede a Lauro o número do telefone da chefe de segurança do Mineirinho e fala para Fernanda o acompanhar até a recepção. Lá, pede para usar o telefone, mas como a telefonista estava demorando muito para fazer a ligação, ele desiste e decide ir ligar do restaurante do hotel. Fernanda começa a se despedir do baterista, que mais uma vez pede para que ela o acompanhe. “Quero que você veja que eu não estou nada satisfeito com o que aconteceu”, dizia ele. Claro que Fernanda, a essa altura já empolgadíssima com a confusão e adorando que tenha dado tudo errado, aceita e vai com Charles ao piano-bar. Lá, ele volta a pedir um telefone e tenta novamente. Enquanto Charles aguarda para, enfim, falar com o responsável por tudo aquilo, faz perguntas para Fernanda, do tipo: “Você é de Belo Horizonte mesmo? E está hospedada aqui? Você é louca? Sua mãe está sabendo disso? Você tem quantos anos? Como é seu nome mesmo? O que você faz da vida?”. E Ferdi respondia a tudo com o maior prazer: “Sim, eu sou de BH. Sim, eu estou aqui. Não, eu não sou louca. Não, minha mãe não está sabendo disso. Eu tenho 18 anos. Fernanda. Eu estudo Jornalismo”.
Finalmente uma tal de Renata, que parecia ser a chefe de segurança do Mineirinho, atende ao telefone. E Charles despeja nela tudo o que estava engasgado. “Nós não fizemos uma exigência sequer. Tudo o que eu queria era colocar sete pessoas lá dentro. Não é possível que onde cabem 25 mil pessoas não caibam mais sete. Fique sabendo que um fã nosso vale mais que todos os contratantes do Brasil juntos! Vândalos? Isso porque você não viu a cara da garota que está na minha frente. Se ela for uma vândala eu mudo de nome”. Fernanda vibrava, internamente, é claro, a cada tirada de Gavin na tal chefe de segurança e tentava imaginar quão meiga era sua feição naquele momento. O telefonema durou cerca de 40 minutos. Já não dava mais para reverter a situação, mas foi um belo desagravo da parte de Charles, que, provavelmente, também se sentiu com a alma lavada.
Fim de papo, Fernanda sobe para contar às amigas tudo o que eu havia rolado, e fica sabendo da farsa do tal Aílton. Lili, Sá e Ferdi (Zélia já estava dormindo), resolvem, então, voltar ao saguão e contar para o Charles o desfecho da história, na portaria do Mineirinho, já que o baterista estava tão solidário com o drama delas. Do saguão, as meninas viram que Charles jantava, acompanhado de Britto, Tony e Branco. É óbvio que elas não teriam coragem de interrompê-los durante o jantar. Sentaram-se e decidiram aguardar. No hotel havia um luxuoso salão de festas onde estava rolando um baile de 15 anos e a cena mais inusitada da noite se deu quando algumas convidadas notaram a presença dos Titãs no restaurante e foram até eles tirar fotos, sem o menor receio de atrapalhar o momento sagrado da refeição.
Quando eles se preparavam para subir, Lili, Sá e Ferdi falaram com Charles e contaram o restante da história. Enquanto ele ouvia, fazendo cara de consternado — afinal, ele estava, de fato, consternado — aproveitaram para, enfim, tietar e tirar fotos com o baterista e com os outros três titãs que estavam por ali. Não poderiam sair daquele dia inesquecível sem nenhum registro. Não assistiram ao show, mas tinha história para contar.

“Não é pior do que parece ser” – Fazer o quê? (Titanomaquia – 1993)

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